Bacon, ovos e marmeladas psicodélicas do Pink Floyd
Talheres à mesa, é hora de tomar café
No icônico álbum da vaquinha, o Pink Floyd apresentou uma obra experimental única e intrigante, explorando paisagens sonoras de diferentes cafés da manhã em Los Angeles.
Explorar a discografia completa da banda revela o perfeccionismo de seus membros, que desde o primeiro lançamento em 1967, surpreendeu com suas ideias inovadoras e mirabolantes.
Composições conceituais, letras filosóficas, técnicas inovadoras de estúdio, psicodelia e experimentação são apenas alguns dos elementos que definem o quarteto britânico.
O conceito da faixa ‘Alan’s Psychedelic Breakfast’ é relativamente simples, mas completamente inédito para o contexto musical da época.
Através de uma ambientação imersiva, melodias encantadoras e uma narração icônica — somos transportados para os rituais matinais de Alan, desde o preparo até o consumo de sua refeição.
Com incríveis 13 minutos de duração, a suíte conceitual é dividida em três partes distintas: ‘Rise and Shine’, ‘Sunny Side Up’ e ‘Morning Glory’, cada uma com suas peculiaridades.
Rise and Shine — Levante-se e brilhe
Tudo começa com o som contínuo de uma torneira pingando, seguido por Alan chegando à cozinha e manipulando alguns objetos.
Depois, ouvimos uma narração dividida em camadas, descrevendo o que ele irá comer.
“Oh, uh, meus flocos, então, uh, ovos mexidos, bacon, salsichas, tomates… Torradas, café… Marmelada, eu gosto de marmelada!”
“Sim, mingau é bom. Qualquer cereal, eu gosto de todos os cereais… Oh, Deus. Vamos embora, já são 10h!"
Após circular pela cozinha, possivelmente pegando uma frigideira e alguns pedaços de bacon, Alan começa a acender vários fósforos em um ritmo contínuo e divertido.
Somando perfeitamente com a entrada elegante de Richard Wright com seu piano e órgão Hammond, criando uma atmosfera vibrante, marcada por melodias leves e descontraídas.
Sunny Side Up — Lado ensolarado para cima
Na sequência, Alan começa casualmente dizendo a seguinte frase: “Café da manhã em Los Angeles, coisas macrobióticas.”
Enquanto enche sua xícara com um delicioso café, adiciona algo — talvez açúcar — mexe com a colher e dá alguns poucos goles.
A macrobiótica citada é um regime alimentar inspirado na filosofia oriental, que promove uma dieta equilibrada com alimentos naturais, integrais e orgânicos, como cereais, legumes, verduras, algas marinhas e sementes.
A obra segue com uma sequência de gravações, como o de cereais sendo despejados numa tigela, seguido do crepitar de bacon, ovos ou salsichas sendo preparados em uma frigideira.
Uma nova melodia emerge, destacada pela trilha de dois violões e uma guitarra de aço.
Enquanto nosso protagonista se entrega ao prazer matinal de saborear seu delicioso, caprichoso e psicodélico café da manhã.
Dessa vez, é conduzido um ritmo mais melancólico, transmitindo um sentimento de reflexão para esse momento tão mundano.
É impressionante como a peça, composta e interpretada por David Gilmour, adiciona um tom cômico ao barulhento e exagerado mastigar de Alan, que chega até a se engasgar no processo.
Essas gravações em fita são essenciais para a atmosfera, capturando a intimidade e a casualidade que a obra busca transmitir.
Morning Glory — Glória da manhã
Retornamos às proteínas sendo preparadas na frigideira, enquanto Alan compartilha mais algumas de suas icônicas frases:
“Não me importo com o carrinho de mão, eu gosto de carregar as coisas nele.”
“Minha coluna está terrível, dói muito quando estou trabalhando.”
“Bem, ele meio que, err… Quando está dirigindo na estrada, tira uma soneca, se preparando para o show.”
“Ele cuida de toda a parte elétrica. Eu não tenho paciência para isso, é tão complicado.”
Em meio ao som estridente das frituras, a música revela-se sem timidez, até preencher todo o espaço com a bateria frenética de Nick Mason, o piano encantador de Richard Wright e o baixo icônico e sutil de Roger Waters.
Até que a atmosfera acelerada, enfim, toma forma, crescendo em intensidade com os fabulosos solos de guitarra de David Gilmour entrelaçando-se em perfeita harmonia.
Essa energia é intensificada por montagens e experimentações com fitas — incluindo as vozes de Alan em colagens caóticas e espaciais.
Em uma dança perfeita, a banda performa com maestria cada instrumento, enriquecendo a atmosfera de forma extraordinária.
Somos hipnotizados pelo som da água escorrendo pelo ralo da pia, até que a torneira é fechada e ouvimos passos pelo ambiente.
Por fim, Alan pega as suas chaves e despede-se da cozinha: “Minha cabeça está vazia.”
Então, tranca a porta, vai embora e nos deixa apenas com o som da água terminando de escorrer rapidamente pelo ralo da pia.
É curioso observar que, Alan não fechou completamente a torneira da cozinha, e as mesmas gotas que escutamos no início da obra podem ser ouvidas novamente.
O que gera um looping perfeito, permitindo-nos mergulhar infinitamente neste ciclo.
Essa ideia criativa pode simbolizar o início de um novo dia, com mais um café da manhã psicodélico à espera de ser preparado.
A importância de Alan Styles
Para quem ficou curioso sobre o protagonista da história, o apreciador de cafés da manhã é o Alan Styles (à esquerda, na foto abaixo).
Ele desempenhava o papel de gerente de turnê (ou roadie manager), encarregado de coordenar e gerenciar todos os aspectos logísticos e operacionais dos shows.
Também costumava preparar o café da manhã do grupo, gerando conversas descontraídas enquanto dividiam a refeição.
Durante as gravações de Atom Heart Mother, o quarteto decidiu imortalizar seu ritual matinal.
Infelizmente, Alan Styles nos deixou em 2011 — uma perda significativa para a história do Pink Floyd e da música como um todo.
Permita-se viajar nessa experiência matinal psicodélica que o Pink Floyd nos proporcionou em um dos álbuns mais incríveis (e o meu favorito da banda) já produzidos na história.